sexta-feira, 21 de agosto de 2009

somente só

Se achava sozinha. Pela primeira vez, sozinha. Sozinha tomava o café, aindo cedo da manhã. Sozinha dirigia quilômetros. Sozinha mergulhava em suas escritas. Tão sozinha era, tão sozinha estava, que passou a se acostumar com o "sozinha".
Se sentia feliz. Sozinha, se completava.
Foram longos e férteis momentos que o estar sozinha lhe proporcionaram.
Ao deixar de estar sozinho, não mais se encontrou. A cada dia foi desejando mais aquele passado de isolamente. Até que teve coragem.
Em sua solidão ela vive rodeada.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

armando carreirão - memória em movimento


Uma homenagem ao agitador cultural de Santa Catarina - Armando Carreirão - é o objetivo do documentário que vai ao ar sábado próximo, dia 22 de agosto, antes do jornal do almoço, no programa SC em Cena, da RBS TV.
Ele e os integrantes do Grupo SUl, queriam "sacudir" uma Florianópolis adormecida...A entrevista de Carreirão, falecido em 2007, concedida a sua neta, Luiza, é o ponto de partida para a criação desse trabalho que pra mim foi instigante.
Que venham mais Carreirões!

terça-feira, 11 de agosto de 2009

nem freira, nem puta...

Mentir, fazia bem. Tinha que conhecê-la muito bem pra sacar quando não era verdade. De súbito, desviava os olhos e franzia levemente a testa. Só. Também já tinha cometido alguns delitos, bem poucos. Mas era muito jovem. Carregava toda a culpa: das mentiras, dos delitos. Culpa maior: falta de interesse pela verdade. A mentira era tão mais interessante! Histórias mirabolantes, amantes tórridos, mergulhos em emoções intensas.

Mas também tinha coisas positivas. Quando jurava um amor, era pra sempre. Quando cativava alguém, alguém a tinha cativado.

E foi assim que seguiu a vida. Não era freira, mas também nada tinha de puta.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

meninos e meninas

Tinha tudo de menina - cabelo comprido, saia até o joelho, brincadeira de boneca. Eram 4: Mariana, Carolina, Sabrina e Jéssica.Ficavam na estante de brinquedos. Ela cuidava, quase todo o dia. Mas carregava com ela um sentimento estranho. Não tinha proximidade ou uma mínima sequer vontade de se aproximar das meninas. Já os meninos a encantavam. O jeito de não ter culpa por não tomar banho, de voltar pra classe suado, de arrotar depois de beber coca-cola, de fazer xixi onde bem entender.Da maneira natural e desmedida de verbalizar as "palavras feias e sujas". Delícia. Eram vários seus amigos. No futebol, gostava do ataque, mas tava sempre no gol. Tudo bem. Cedia.
Com o tempo, os meninos começaram a olhá-la de outra maneira. Com o tempo, as menina também. Inventaram-lhe apelidos. Ela não gostou. Chorava escondido. E ainda gostava deles, dos meninos, como amigos. E como meninos. Passado mais tempo ainda, se afastou. Se adaptou.

Hoje ela só tem um amigo.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

casca de ferida

O trem passou e Ariela se assustou. No banco vazio, de súbito, uma guria. Uns 7, 8 anos. Usava uniforme escolar. Ariela olhou pra ela. Ela olhou Ariela, sem encarar, baixando as vistas. As feridas do joelho chamaram a atenção de Ariela. Também os cotovelos esfolados, o arranhado no nariz. Ariela lembrou de seu tempo, de quando também estava sempre em frangalhos. Sentiu uma enxurrada de emoção e até os joelhos arderam, relembrando a celebração de cada casquinha de ferida.

O trem chegou.

A guria se foi, olhando de rabo de olho pra Ariela, que levantou um pouco a saia, tentando mostrar as cicatrizes persistentes nos joelhos.

Nunca mais se viram.

Ano passado, Ariela se foi.
A encontraram no banco da estação. Adormecia. Pra sempre.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

em cascatas

Ela olhou cada pedacinho da casa. Viu o painel de fotos na parede, os livros, motivo que a enche de orgulho: leu cada um daqueles ali. Não são apenas livros de prateleira. Livros largados na estante. São histórias que foram manuseadas, vividas pela sua imaginação pulsante.

Jogou a mochila sobre a cama, abriu o armário. "só uma mochila..." pensou - "sou minimalista até nos mínimos momentos". Guardou suas roupas. Coisa bem básica. Assim como ela.

Mais difícil que as coisas foi o cachorro. Olhava com olhos de perda. Foi aí que liberou o choro, em cascatas, de uma vez só. Ali, abraçada ao cachorro, no jardim com a grama por cortar, os arbustos por podar, numa manhã fria de inverna que ela disse adeus.

Não fechou o portão.

Mas se foi.

As pegadas, mesmo passados alguns dias, ainda estão lá.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

deitar no céu, olhar a grama


a gente cresce e perde um monte de coisa. justifica q não faz mais porque tá grande.
bom, eu não cresci muito. meu irmão me chamava de "anão de jardim". mas eu continuo brigando pela janela do avião, mesmo viajando muito, estar no alto não perdeu o encanto. me pego com pensamentos distantes, idéias absurdas. e me toca ouvir alguns me chamando de "infantil", "imatura". adoro! tenho que dar muito duro pra fingir que sou gente grande. dentro dessas referências q se tem do comportamento adulto.

prefiro deitar no céu pra olhar a grama. pena é a falta de tempo. isso é a minha maior carga, o meu maior peso que me faz, diariamente, lembrar que cresci. sou adulta.

a grama tá ficando amarelada.