quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

2010, um novo ano

Em poucas horas um ano novo começaria. "Co-me-ça-ria"...Claudia gostava das possibilidades. Gostava de desenhar seu futuro, imaginar que, de uma hora pra outra, podia mudar o rumo de muita coisa. De outras nem tanto.

Por isso, no último dia do ano resolveu que largaria o emprego de garçonete no café. Estava ali há 1 ano, o chefe gostava dela, os colegas eram médio-simpáticos..ela os chamava assim porque, naquela cidade onde vivia, não era comum esbarrar com gente absolutamente simpática, 100% legal ou minimamente que demonstrasse o sentimento de felicidade. Lhe irritava o jeito velado de opinar. Não comentavam sobre todos os assuntos, tinham medo. Talvez de dizer algo chocante, algo que provocasse polêmica, ou que Claudia discordasse.

E foi assim que Claudia largou o emprego.

Também entregou a casa. Vivia em uma casa de madeira, dessas que um dia foi típica na região, mas que gradativamente foi substituída por mini-prédios de alvenaria grosseira. O bairro foi se descarecterizando, perdendo qualquer identidade. E Claudia também. Gostava do cheiro de maresia , gostava de acordar a noite com os cães do vizinho latindo, da sinfonia matinal dos galos, das brigas de casal da casa em frente, da gata no cio berrando como uma criança em seu telhado. Gostava de coisas que ninguém gostava. Era atraída por aquilo que seus ditos "amigos" consideravam insuportável.

E foi assim que Claudia se livrou do aluguel e da casinha verde e branca, de madeira.

O que faltava para o novo ano?

Claudia pensou.

Ivan era um amigo mais que amigo. Passavam dias de folga juntos. Bebiam vinho, chimarrão, sovavam a massa do pão. Liam livros juntos, cada um uma página, deitados nús na cama, em voz alta. A companhia dele fazia bem a Claudia.
Mas incomodava a Ivan o gosto de Claudia pelo cheiro de marezia, pelos latidos, miados, galos, brigas alheias, e o desgosto de Claudia por alguns de seus amigos.
Claudia dormia vendo cinema iraniano, não entendia bergman, não via revolução no cinema novo. Nunca foi ao Forum Social Mundial, pois era pessimista - pra Claudia, um mundo melhor não era possível.

E foi assim que Claudia pediu a Ivan que não a procurasse mais. Não chorou. E ele também - sequer a olhou nos olhos. Perguntou se tinha alguma outra pessoa. Claudia não entendeu.

Claudia foi até a rodoviária e lá resolveu seu destino. Entrou no ônibus e seguiu. Passou a virada do ano em uma parada de estrada, tomando um café-com-leite açucarado e morno. 2010, agora, começava.