segunda-feira, 27 de julho de 2009

casca de ferida

O trem passou e Ariela se assustou. No banco vazio, de súbito, uma guria. Uns 7, 8 anos. Usava uniforme escolar. Ariela olhou pra ela. Ela olhou Ariela, sem encarar, baixando as vistas. As feridas do joelho chamaram a atenção de Ariela. Também os cotovelos esfolados, o arranhado no nariz. Ariela lembrou de seu tempo, de quando também estava sempre em frangalhos. Sentiu uma enxurrada de emoção e até os joelhos arderam, relembrando a celebração de cada casquinha de ferida.

O trem chegou.

A guria se foi, olhando de rabo de olho pra Ariela, que levantou um pouco a saia, tentando mostrar as cicatrizes persistentes nos joelhos.

Nunca mais se viram.

Ano passado, Ariela se foi.
A encontraram no banco da estação. Adormecia. Pra sempre.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

em cascatas

Ela olhou cada pedacinho da casa. Viu o painel de fotos na parede, os livros, motivo que a enche de orgulho: leu cada um daqueles ali. Não são apenas livros de prateleira. Livros largados na estante. São histórias que foram manuseadas, vividas pela sua imaginação pulsante.

Jogou a mochila sobre a cama, abriu o armário. "só uma mochila..." pensou - "sou minimalista até nos mínimos momentos". Guardou suas roupas. Coisa bem básica. Assim como ela.

Mais difícil que as coisas foi o cachorro. Olhava com olhos de perda. Foi aí que liberou o choro, em cascatas, de uma vez só. Ali, abraçada ao cachorro, no jardim com a grama por cortar, os arbustos por podar, numa manhã fria de inverna que ela disse adeus.

Não fechou o portão.

Mas se foi.

As pegadas, mesmo passados alguns dias, ainda estão lá.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

deitar no céu, olhar a grama


a gente cresce e perde um monte de coisa. justifica q não faz mais porque tá grande.
bom, eu não cresci muito. meu irmão me chamava de "anão de jardim". mas eu continuo brigando pela janela do avião, mesmo viajando muito, estar no alto não perdeu o encanto. me pego com pensamentos distantes, idéias absurdas. e me toca ouvir alguns me chamando de "infantil", "imatura". adoro! tenho que dar muito duro pra fingir que sou gente grande. dentro dessas referências q se tem do comportamento adulto.

prefiro deitar no céu pra olhar a grama. pena é a falta de tempo. isso é a minha maior carga, o meu maior peso que me faz, diariamente, lembrar que cresci. sou adulta.

a grama tá ficando amarelada.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

o filho do padeiro e a revolução

Em uma época na qual a arte se identifica e se organiza em tendências de temporada, será cada vez mais raro encontrar um artista cuja tendência radical na direção da justiça é obra de uma vida inteira. Augusto Boal construiu uma carreira pontuada muitas vezes por lances decisivos, não apenas pessoalmente, mas para a história do teatro brasileiro. Por meio de sua obra, o andar de baixo finalmente vem à luz e personagens como operários, cangaceiros e jogadores de times de várzea ganham o palco. O artigo é de Kil Abreu.

Kil Abreu (*)

Filho de um padeiro português que chegou ao Rio de Janeiro por se recusar a servir como soldado em uma guerra com a qual não concordava e de uma certa senhora que abandonara o primeiro noivo praticamente no altar para casar, por decisão e gosto, com um “aventureiro”, Augusto Boal aprendeu desde logo que o mundo pode ser mudado, bastando para isso decisão e coragem. Toda a sua invenção no teatro parece se basear nesta fé sobre o efeito da ação do homem no mundo, que não é apenas um lance retórico, como no teatro burguês, e deve ser encontrada nos motivos da vida ordinária.

Foi assim que ele construiu uma carreira pontuada muitas vezes por lances decisivos, não apenas pessoalmente, mas para a história do teatro brasileiro. Convidado ao então promissor Teatro de Arena, em 1956, empresta ao grupo os conhecimentos aprendidos, de encenação e dramaturgia, em uma recente temporada nos Estados Unidos. Principal ideólogo nos caminhos de uma cena preocupada em com as contradições da sociedade, é Boal quem intui que um teatro novo, com assuntos ainda não levados ao palco, pede também uma cena nova, com dramaturgia própria e um repertório técnico e artístico que dê conta de suportar a representação da realidade em chave crítica. Introduz o método de Stanislávski, que havia estudado no Actor's Studio, com vistas ao naturalismo que seria de grande valia para a primeira fase de renovação da cena que o Arena promoveria. O andar de baixo finalmente vem à luz e personagens como operários, cangaceiros e jogadores de times de várzea ganham o palco. Era a hora da representação dos temas nacionais, quando dirigiu, entre outros, Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Viana Filho (1959), espetáculo que dá seguimento a Eles não usam Black-tie, peça de Guarnieri (1958) dirigida por José Renato.

Ainda em 1960, de mãos dadas com os ensinamentos vindos de Brecht e o seu teatro épico, Boal escreve Revolução na América do Sul , uma mistura de teatro de agitação, tradições populares e revista musical. O espetáculo tem direção de José Renato e afirma com grande inventividade as marcas que pautariam toda a sua produção posterior: de um lado, o espírito criativo iconoclasta, experimental e, de outro, a certeza de que a experiência estética não é mero formalismo, é meio para a discussão urgente de algum aspecto da vida em sociedade.

O período que vai de 64 a 71, contabilizada a grande sede de justiça social provocada pelo golpe, é o período da resistência que inclui ações em várias frentes: alinhado ao CPC da UNE, já na ilegalidade, Boal dirige, no Rio, o Show Opinião, com Zé Ketti, João do Vale e Nara Leão. Em São Paulo cria, com Guarnieri e Edu Lobo, o musical Arena Conta Zumbi, cuja estrutura modelar seria aproveitada em outras montagens (Arena conta Bahia, Arena conta Tiradentes, Arena conta Bolívar). O propósito é evidente: fazer, através de personagens históricos ligados às lutas populares, o cotejamento com a realidade atual do país, apontando a necessidade de mobilização e de mudança. Mas não é só. Para que o efeito crítico seja efetivo os espetáculos trazem, entre outras inovações, o “sistema coringa”, uma técnica através da qual todos os atores interpretam todos os personagens e a fábula é conduzida por um narrador, que à maneira brechtiana faz a mediação crítica e chama a platéia a acompanhar as cenas à luz da razão.

É ao fim deste duro período, quando finalmente será exilado depois de passar por tortura e de ver suas montagens censuradas, que está o nascedouro da experiência que consagraria Boal como um dos artistas brasileiros mais importantes do mundo. É quando surgem os princípios que vão orientar as técnicas que mais adiante serão aplicadas ao seu Teatro do Oprimido. É criado o Núcleo Independente, oriundo do Arena, que teria ação importante na periferia de São Paulo nos anos 70. O primeiro espetáculo chama-se Teatro Jornal 1a. edição e inspira-se no trabalho de um grupo de agit-prop americano dos anos 30, o Living Newspaper. O procedimento fundamental está próximo do que mais tarde seria o Teatro Fórum: os atores lêem as notícias do dia e criam situações cênicas para debater pontos de vista e lançar novos olhares sobre o noticiado.

Expulso do seu país, Boal prossegue com seu trabalho no exterior, primeiro na Argentina, onde desenvolve a estrutura teórica dos procedimentos do teatro do oprimido. É quando passa a sistematizar e a praticar uma revolução verdadeira. Simples como o são as coisas necessárias e urgentes, o Teatro do Oprimido tem como palco qualquer lugar onde um grupo de cidadãos possa se reunir e tem como fiinalidade dar voz, através da representação simbólica do mundo, aos que em geral permanecem calados. Com uma técnica engenhosa, que leva aquele que seria o espectador do teatro burguês ao lugar de atuante no curso dos acontecimentos, é uma forma teatral que desmistifica a coisa estética para ver a beleza no exercício de autonomia do sujeito, quando este é chamado a intervir no andamento da ação e a dar sentido político à sua própria existência. Recentemente o Teatro Legislativo, gênero derivado do TO e surgido durante o mandato de Boal como vereador no Rio de Janeiro, foi responsável pela criação de treze Leis municipais, todas nascidas da discussão comunitária, em encontros nos quais a população apresentou, através do teatro, as suas demandas.

Nomeado pela Unesco Embaixador Mundial do Teatro em março deste ano, Boal deixa seus livros traduzidos em vinte idiomas e centros de teatro do oprimido espalhados por mais de setenta países.

Nesta semana de homenagens póstumas não será demais lembrar uma fala, na apresentação da sua autobiografia, em que ele dizia que a idéia de se autobiografar é algo quase imoral, pois que o importante é a obra, não o homem. Mas o fato é que seu gênio artístico fará falta, sim, e tende a parecer cada vez mais uma anomalia, um idealismo ingênuo – como, aliás, está tratado já subliminarmente, nas falas de despedida, pela grande mídia e por vários dos seus companheiros de jornada, hoje rendidos ao mercado do entretenimento. Em uma época na qual a arte se identifica e se organiza em tendências de temporada, será cada vez mais raro encontrar um artista cuja tendência radical na direção da justiça é obra de uma vida inteira.

(*) Kil Abreu é jornalista, crítico e pesquisador do teatro. É curador do Festival Recife do Teatro nacional e coordena o Núcleo de Estudos do teatro contemporâneo da Escola Livre de Santo André.

terça-feira, 7 de julho de 2009

ele me inspira

"ninguém enriquece com a literatura se ao mesmo tempo não for capaz de chupar um pêssego aproveitando a mão livre para levá-lo a boca, se não fizer amor entre duas páginas, se não se debruçar na janela para saber que durante o último mês cinqüenta crianças morreram queimadas na região se Saigon, e que em Biafra os nigerianos ajudados pelo nobilíssimo Reino Unido degolaram todos os pacientes de um hospital; será preciso repetir, professor Papalino Zeta, que a literatura não é um terreno privilegiado no sentido escapista que tanto convém e adorna? Biafra e o erotismo, a chuva de napalm e os Jogos Venezianos de Lutoslawski: a poesia continua sendo a melhor possibilidade humana de realizar um encontro que ninguém descreveu melhor que Lautréamont e que pode fazer do homem o laboratório central de onde algum dia sairá o definitivamente humano, a menos que antes disso todos nós tenhamos ido para a casa do caralho."

NOTÍCIAS DO MÊS DE MAIO , Julio Cortázar

sábado, 4 de julho de 2009

paulo leminsky

"Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar de remar também." - hoje eu tô assim, meio ele...